Sunday, August 27, 2006

Notas

[1] Seguem dois pronunciamentos recentes de fontes acima de qualquer suspeita de conspiração ou ação antiimperialista ou antiimperial. Ambos contêm informações bastante expressivas no atacado, dispensando a enumeração de infinitos casos e situações de desigualdade e injustiça entre países, classes e pessoas. O primeiro é de abril de 2004: Economistas do Banco Mundial admitem que a maioria dos países em desenvolvimento não conseguirá atingir a meta, estipulada pela própria instituição, de reduzir a pobreza pela metade até 2015. Motivo: os países ricos não cumprem a promessa feita há dois anos de aumentar a ajuda financeira aos pobres. Isso é agravado pela manutenção de barreiras comerciais e dos subsídios pelos ricos. Mesmo quando dão dinheiro aos países pobres, os desenvolvidos os punem com regimes comerciais que bloqueiam o acesso aos seus mercados. O presidente do banco, James Wolfenson, define como desvio absurdo os gastos dos países ricos de US$ 350 bilhões anuais com subsídios agrícolas e US$ 900 bilhões com defesa. Os EUA, o país mais rico do mundo, é o que proporcionalmente menos dá aos pobres (O Globo, 23.4.2004). Um mês depois: O diretor-executivo do Programa Alimentar das Nações Unidas, James Morris, pergunta porque 800 milhões de pessoas passam fome no mundo se montanhas de excedentes alimentares são ignoradas e se apenas uma semana dos US$ 300 bilhões (sic) gastos pelos países desenvolvidos em subsídios agrícolas poderia suprir toda demanda de ajuda alimentar a estas pessoas por um ano inteiro. Ele lembra que o problema não é a produção global de alimentos. “O mundo tem produzido o suficiente para cada homem, mulher e criança desde os anos 60” (O Globo, 17.5.2004).
[2] Embora ecoe nostálgica e debilitada, a palavra ‘revolução’ parece recuperar hoje parte de sua reputação de perigo e volta a impor certo respeito, depois de muito tempo apossada pela ideologia e pelo marketing, despojada de seu sentido estrito, de destruição e substituição de um regime político. Revoluções propriamente ditas, como define Abbagnano no Dicionário de Filosofia (ABBAGNANO, 2000: 858-859), foram a inglesa, a americana, a francesa e a russa. Ainda se fala – e muito – em revolução no sentido largo, quando se quer atribuir importância a uma mudança, seja na política, na economia, na arte, na ciência ou no futebol. Mas há também quem queira evitar a palavra ou mesmo bani-la, como acaba de ocorrer na comemoração dos 30 anos da ‘Revolução dos Cravos’ em Portugal. O slogan do governo para celebrar a data, ‘Abril é Evolução’ provocou protestos da oposição socialista. Em todo o país, nos dias que antecederam o 25 de Abril, mãos anônimas acrescentaram o ‘R’ à palavra ‘Evolução’ nas peças da propaganda oficial. Mesmo não se tratando de uma revolução no sentido estrito, a elipse do ‘R’ não ocorreu, seguramente, por rigor técnico nem por respeito ao sentido político da palavra. É possível que mentes perspicazes e intuitivas, de dentro do próprio sistema dominante, já tenham percebido algum revigoramento no sentido da palavra.
[3] A noção de trabalho imaterial tem contribuições de diversas fontes, mas se desenvolveu fundamentalmente no caldo de cultura do ‘operaísmo’ italiano, movimento teórico-político de orientação neomarxista. Como assinala Giuseppe Cocco na introdução a Trabalho imaterial (LAZZARATO & NEGRI, 2001: 16-17), além de contribuições teóricas inovadoras, os ‘operaistas’ tiveram envolvimento social e político nas décadas de 60 e 70. Um de seus desdobramentos, que teve a participação de Negri, deu origem à experiência político-organizacional conhecida como ‘autonomia operária’. O conceito e ‘autonomia’ corresponde a uma forma política autodeterminada e não-representativa; não responde a partidos políticos nem admite delegação a representantes.
[4] Como explica Simone Sobral Sampaio em O trabalho de Foucault: Poder, ou melhor, Resistência (SAMPAIO, 2003: 4), o conceito de resistência é entendido aqui no sentido foucaultiano. Remete menos ao sentido lexical de reação, defesa e oposição, aproximando-se mais de ação, ofensiva e revolução. A resistência é anterior ao poder e o constitui. É, portanto, constituinte das relações de força em todos os níveis da vida humana. Onde há poder, há resistência na forma de lutas que atacam o seu funcionamento e seus agenciamentos. E trata-se de luta presente e não de promessa ou profecia.
[5] Alguns autores, como Rubén Dri, usam o termo ‘marxiano’ quando se referem ao pensamento de Marx e ‘marxismo’ quando se trata de uma interpretação ou desenvolvimento (DRI, 2002).
[6] Faz parte da natureza do capitalismo industrial modificar permanentemente a base técnica de produção, as funções dos trabalhadores e as relações sociais de trabalho por meio de máquinas, graças principalmente ao progresso técnico. Isso decorre fundamentalmente das próprias lutas dos trabalhadores por maior remuneração, melhores condições de vida e pelo controle dos meios de produção. Mas a transformação incessante dos meios de produção se dá à custa dos próprios trabalhadores, que perdem empregos e garantias de sobrevivência. O trabalhador está sempre ameaçado de perder seus meios de existência e de se tornar ele próprio supérfluo, compondo um ‘exército industrial de reserva’, que é recriado incessantemente, como Marx observou. A economia liberal ensina e os pensadores liberais proclamam que este processo de substituição do trabalho humano por máquinas é neutralizado, ao longo do tempo, pela ‘lei da compensação’, isto é, criam-se sempre novos empregos à medida que outros desaparecem. Raymond Aron, diz que Marx nunca acreditou que ‘desemprego tecnológico’, o desemprego decorrente do progresso técnico. “Esse tipo de bobagem volta a cada 20 anos e desaparece com a mesma rapidez” (ARON, 2003: 315). O próprio Marx, porém, demonstra, no O Capital, que a mão-de-obra dispensada não é efetivamente contratada em outras empresas e que as demissões não afetam somente o trabalhador desempregado, mas o conjunto de todos os trabalhadores pela queda do valor do salário.
[7] O problema, para Marx, não é a máquina, ela mesma, mas a máquina nas mãos do capitalista: “La máquina es inocente de las miserias que provoca. (...) Em consecuencia, como la máquina, triunfo del hombre sobre las fuerzas naturales, se convierte en manos de los capitalistas en el instrumento de la esclavización del hombre a esas fuerzas (...)” (MARX, 2004).
[8] No trabalho Tecnologia e Emprego, uma Relação Conflituosa, o professor do Instituto de Economia da Unicamp, Jorge Mattoso, procura demonstrar que a inovação tecnológica, “embora possa modificar a qualidade e a quantidade do emprego, não determina a priori seu resultado, sobretudo quando observada a economia nacional” (MATTOSO, 2000). Ele contesta que o atual processo de inovação resulte em uma menor geração de emprego por unidade de crescimento econômico e que isso leve ao ‘crescimento sem emprego’. Assinala que, ao contrário, vem ocorrendo, nos países ricos, a preservação e mesmo o aumento da ‘elasticidade emprego’. Suas conclusões, porém, parecem referidas exclusivamente ao mundo desenvolvido. Se comprovado, isso seria natural tendo em vista algumas especificidades dos países desenvolvidos, como a expansão dos serviços sociais e pessoais, que demandam mais trabalho e estão diretamente associados ao aumento da riqueza.
[9] Cabe aqui situar o significado da releitura dos Grundrisse para a compreensão do capitalismo contemporâneo. Euclides André Mance, do Instituto de Filosofia da Libertação (IFiL), explica que os Grundrisse são rascunhos de Marx que darão origem a O Capital. Algumas das intuições destes rascunhos acabaram sendo sacrificadas por não caberem supostamente na análise do capitalismo da época com rigor científico perseguido por Marx. Duas das dificuldades não suficientemente equacionadas e, portanto, abandonadas em O Capital são: 1) a definição de trabalho produtivo e improdutivo e 2) o caráter da ciência como fator produtivo, sua relação com o valor, a produção de mais-valia e o tempo livre. (MANCE, 1997).
[10] Chama-se ‘escola de Frankfurt’ o grupo de filósofos que, a partir dos Anos 30, propuseram-se a elaborar uma teoria crítica do conhecimento a partir do pensamento de Marx e do questionamento do sistema de valores individualistas. Entre os seus expoentes, destacam-se Theodor Adorno, Walter Benjamin, Max Horkheimer, Jürgen Habermas e o próprio Marcuse.
[11] Mance explica que Marx se refere, sem mencionar o autor – que permaneceu anônimo – por quatro vezes ao trabalho The source and remedy of the national difficulties, deduced from principles of political economy in a letter to Lord John Russel. (MANCE, 1997).
[12] A França reconhece há bastante tempo a especificidade do trabalho dos ‘intermitentes do espetáculo’ (atores, técnicos, bailarinos etc), remunerando tais profissionais nos períodos de recesso. Como registra reportagem da revista Global (no. 2, maio, junho e julho de 2004, p. 34), o governo francês começa a colocar em questão este estatuto no âmbito das reformas sócio-econômicas em curso. Isso suscitou fortes movimentos de resistência por parte dos intermitentes do espetáculo e colocou outra questão em discussão: a intermitência é uma característica apenas do trabalho no espetáculo? Hoje a intermitência é crescente e compreende as mais diversas formas de trabalho em todas as atividades econômicas (trabalhadores precários, informais, autônomos, prestadores de serviços, sem remuneração nem jornadas fixas). Existe uma ‘coordenação dos intermitentes franceses’ que preconiza não uma reforma no código do trabalho e sim uma reforma fiscal, que deve taxar as novas formas de riqueza, para romper a lógica neoliberal da falta de fontes financeiras para os gastos sociais porque as finanças públicas estão em crise com a queda das receitas e o aumento das despesas. “Nous voyons la richesse là où elle circule (les flux financiers, interbancaires, de communicacion, autoroutiers ...) Il faut réfléchir à d’autres formes d’impôt sur les nouvelles formes de richesse. Le système de prélèvements obligatoires qui devra financer la mobilité reste a inventer.” (Libération, 8/4/2004).
[13] O tema é tratado no capítulo 4, Salir de la sociedad salarial in Misérias del presente, riqueza de lo posible.
[14] A título de exemplo, vale citar a reportagem publicada no jornal O Globo (3/4/2004, p. 19), sobre uma pesquisa da Universidade de Quebec mostrando que a onda global de fusões na indústria farmacêutica provocou aumento nos preços dos remédios, lucros recordes para as empresas e menos inovações nos tratamentos em geral e nos medicamentos para doenças ainda sem cura. A divulgação da pesquisa parece ser mais um round no conflito de interesses das farmacêuticas, que aumentam os preços dos medicamentos, e dos sistemas de seguro-saúde, que querem pagar menos. A reportagem permite interpretar, nas entrelinhas, que se trata de uma operação de relações públicas, com a clássica articulação entre empresas, academia e mídia para ‘provar’ enunciados. Pesquisas encomendadas, patrocinadas ou apropriadas por grupos de interesse são amplamente divulgadas na mídia por estes mesmos interessados. No caso, a fonte principal da reportagem, Phillipe Pignarre, da Universidade de Quebec, diz que nenhum seguro saúde pode pagar tratamentos tão caros e que, nesse ritmo, os sistemas de seguro saúde de vários países vão explodir.
[15] Em artigo publicado no jornal O Globo de 6.6.2004, Merval Pereira cita o sociólogo Manuel Castells, da Universidade Southern California: “a sociedade global tem agora os meios tecnológicos para existir independentemente das instituições políticas e do sistema de comunicação de massa”. Ele vê “significados políticos” no potencial da internet como meio autônomo de organização, independente de um comando central e controle. Identifica os movimentos que fazem uso político das novas tecnologias como um “processo de transformação estrutural” em curso, com múltiplas dimensões: tecnológica, econômica, cultural e institucional. Mas adverte (ou defende) que a sociedade civil e seus movimentos não prescindem nem do Estado nem do sistema midiático. Castells recorre a Antonio Gramsci para dizer que a sociedade civil é o espaço intermediário entre o Estado e o cidadão e, portanto, não seria contra o Estado, mas um canal para a sua transformação. Como se sabe, este é um tema controverso, como demonstrou Pierre Clastres em A sociedade contra o estado (CLASTRES, 2003). Deleuze e Guattari partem de Clastres para concluir a demolição da idéia evolucionista ‘da sociedade primitiva ao estado’, mostrando a coexistência desde sempre de ‘sociedades com Estado’ e ‘sociedades contra o Estado’ (DELEUZE & GUATTARI, 1997: 22 e 23).
[16] “O marketing está aprendendo uma lição com as novas comunidades que estão surgindo em toda a nossa cultura. Os pesquisadores serão obrigados a voltar sua atenção para os efeitos dos grupos sociais em suas atitudes e decisões. (...) Outra mudança em propaganda e marketing será o foco que deixará de ser a comunicação que chega a um consumidor por vez e passará a ser a comunicação entre as redes sociais e o boca-a-boca”. (Stark, 2004: 25).

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